Energia
04/7/2011 - 08h41
04/7/2011 - 08h41
Belo Monte confirma a energia da colônia
por Lucio Flavio Pinto*
Se
a hidrelétrica de Belo Monte, a maior obra de infraestrutura em
andamento no Brasil, é inviável, como apregoam os seus críticos, por que
o governo a aprovou, por que há empresas privadas interessadas nela e
tantos técnicos – e mesmo cientistas – se manifestam em defesa do
projeto?
A
resposta a essa pergunta fundamental serve de prova dos nove da
operação. Muitos reagem com aprovação imediata à iniciativa. Afinal, ela
não passou pelo teste dos engenheiros e matemáticos? Logo, tem
consistência.
Tudo que é sólido, porém, se dissolve no ar,
advertiu o filósofo da crítica radical (aquela que pega os fatos por sua
raiz). Belo Monte pode se enquadrar nesse truísmo. Mas, para que a sua
equação funcione, é preciso que a incógnita permaneça irrevelada até o
fim, fim esse que corresponde ao fato consumado, ao leite derramado, à
morte de Inês no poema formador da língua, agora em processo de
deformação.
Esta incógnita é o governo. Belo Monte devia fazer
parte de uma nova família, criada pela política de privatização do
Estado dos social-democratas tucanos e mantida, com atualizações e
adequações, pelos antigos jovens turcos petistas (hoje mais para nouveaux riches,
quando não arrivistas). O Estado recuaria para a função reguladora e as
empresas particulares assumiriam a vanguarda do processo econômico.
Colocariam no jogo o que é sua razão de ser (e, por suposto, sua
supremacia): o capital de risco.
Mas metade das ações da Norte
Engenharia, que já começou a construir a usina de Belo Monte, no Rio
Xingu, é da Chesf, a empresa federal de energia do Nordeste. Estatais e
fundos de previdência são também os maiores acionistas das empresas que
constroem as hidrelétricas de Jirau e Santo Antonio, no Rio Madeira, em
Rondônia.
Ao invés de assumirem o comando das obras, as empresas
privadas retroagiram à sua função original, de empreiteiras, conforme o
velho modelo capitalista, refinado durante o regime militar (1964-1985).
Algumas delas (nem sempre as principais) mantiveram participação no
capital das concessionárias de energia para atuar com mais desenvoltura
no futuro, quando o investimento estiver amortizado e for o momento de
faturar tarifas das mais caras do planeta.
Não podia ser de outra
forma? Na ótica delas, não. Em dez anos, o orçamento de Belo Monte
saltou de R$ 10,4 bilhões para R$ 31,2 bilhões. Quanto será o valor de
chegada? No caso da hidrelétrica de Tucuruí, que deu a partida com US$
2,1 bilhões, o custo final ultrapassou US$ 10 bilhões. No orçamento de
Belo Monte não está incluída a linha de transmissão (que, na melhor das
hipóteses, sairá por mais de dois terços da obra de geração) e alguns
outros itens milionários.
Uma das causas dessa triplicação entre
2001 e 2011 é a complexidade do projeto de engenharia. Originalmente, o
projeto seguiria o esquema convencional. Como alagaria área enorme e
precisaria de mais de um barramento rio acima, provocou grande reação na
opinião pública. Para não criar grandes reservatórios, o desenho foi
modificado.
O tamanho da área de inundação diminuiu
significativamente, mas teve efeitos adversos. Sem retenção de água, a
usina passará a funcionar com água corrente. Como no verão a vazão do
rio é mínima, a hidrelétrica ficará paralisada durante três ou quatro
meses. Com isso, a média de energia que poderá gerar estará abaixo de
40% da sua capacidade nominal. Isto significa quilowatt mais caro. Muito
mais.
Além disso, um complicado sistema de diques terá que ser
construído para manter a vazão lateral do rio até a casa de força, onde
estarão as 20 enormes turbinas. Diante da complexidade do desafio,
ninguém poderá garantir que não haverá vazamento. Será mais um fator de
perda de energia a complicar a viabilização do negócio.
Para que o
projeto não fosse à ruína, além de assumir o controle acionário da
empresa responsável pela obra, o governo garantirá o financiamento. O
BNDES se comprometeu a entrar com 80% do custo de Belo Monte. Como é uma
despesa gigantesca, o dinheiro sairá do caixa do tesouro nacional,
fonte de R$ 200 bilhões incorporados ao banco nos últimos dois anos
(recorde em todos os tempos). Se o equilíbrio financeiro ficar ameaçado
ou for comprometido, sabe-se de onde virá a salvação.
Trata-se
mesmo de uma tarefa salvífica, missionária. É o que explica o desdém de
todos os participantes do projeto pelas exigências prévias para o
licenciamento ambiental. A licença foi dada mesmo com o óbvio
descumprimento das cláusulas acertadas com o Ministério Público Federal.
A presunção é de que o governo, grande ausente na área, agitada pela
iminência da grande obra, surgirá de súbito para fazer o que não foi
feito. A fundo perdido.
Sua atitude não será a socialização dos
prejuízos e privatização dos lucros, tão reprovável quanto contumaz?
Talvez seja, mas para o governo o que importa é a meta traçada no novo
Plano Decenal, apresentado no final do mês passado: extrair da Amazônia,
em 2020, 23% das necessidades brasileiras de energia. A participação
atual da região é de 10%.
Se acontecer esse incremento, de 265%,
com a oferta de mais 28 mil megawatts extraídos dos rios amazônicos, as
participações das demais regiões cairão: do Sudeste/Centro-Oeste, de 60%
para 46,6%; e do Sul, de 16% para 14% (apenas o Nordeste terá um
ligeiro aumento, de 14% para 17%).
A Amazônia se tornará, de vez,
na grande província energética brasileira. Cederá a força motriz da sua
bacia hidrográfica, a maior do mundo, para ser transformada em produtos
acabados a milhares de quilômetros de distância. Não era exatamente esse
o paraíso vislumbrado por Euclides da Cunha um século atrás. Mas seu
vaticínio se realizará: será um paraíso perdido. Pobre Amazônia rica.
* Lúcio Flávio Pinto é jornalista paraense e publica o Jornal Pessoal.
** Publicado originalmente no site Adital.
(Adital)
http://envolverde.com.br/ambiente/energia/belo-monte-confirma-a-energia-da-colonia/
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